Preâmbulo do César
Tenho o hábito de abrir os gráficos de todas as ações espanholas.
Na última ronda fiquei surpreendido pela valorização das ações da Atresmedia, que pertence à indústria dos media tradicionais.
Solicitei então ao Paiva que fizesse uma análise completa.
Análise do Paiva
A ação a analisar esta semana é a Atresmedia que é um dos principais grupos de comunicação e entretenimento de Espanha.
Resulta da fusão de duas redes de televisão – a Antena 3 e a La Sexta – e abrange várias plataformas, tais como televisão, rádio, cinema e produção de conteúdos.
Pessoalmente não tenho o hábito de ver televisão e cada vez que faço zapping na expectativa de encontrar algo que me interesse, acabo por desistir e passar para o YouTube, que tem conteúdos mais específicos.
Por causa desta preferência não me pareceu entusiasmante analisar uma empresa dos media tradicionais.
Fui ver o tópico no fórum e conta apenas com um comentário referente à análise inicial publicada pelo Hélder em 2020.
Quererá isto dizer que este género de ações, pertencente a uma indústria antiga, interessa pouco aos investidores?
Não necessariamente porque se formos verdadeiros contrarians não devemos excluir a possibilidade de investir em ações que “ninguém” está a ver, pois podem estar fundamentalmente atrativas e subavaliadas. Além disso podem ter algum catalisador novo que entusiasme os investidores.
A cotação está atualmente em máximos de 1 ano e já subiu cerca de 19% desde o início do ano:
1. Contexto Histórico
A Atresmedia foi analisada apenas uma vez pelo Hélder, em Maio de 2020, quando havia confinamentos e as pessoas assistiram à televisão como nunca:
Aconselho uma leitura rápida a quem desejar conhecer melhor a Atresmedia.
O gráfico de longo prazo mostra que a ação tem tido uma tendência descendente de longo prazo e está perto dos mínimos históricos:
Os principais acionistas mantêm-se os mesmos desde a análise de 2020. O Grupo Planeta de Agostini e o RTL Group controlam mais de 60% do capital:
Desde 2014 que o número de ações é mais ou menos o mesmo, nas 225 milhões de ações:
À cotação de 3,8 € a capitalização bolsista está nos 855 M€.
2. Resultados
A empresa apresentou os resultados do primeiro semestre no passado dia 27 de Julho:
Um report mais extenso aos resultados pode ser encontrado aqui e os resultados do ano de 2022 aqui.
3. Pontos Positivos
3.1. Lidera as audiências em Espanha
Quando o Hélder publicou esta análise…
…quem liderava as audiências era a Mediaset, que recentemente foi adquirida na totalidade e retirada de bolsa pela italiana Media For Europe, da família Berlusconi.
Recentemente a Atresmedia ultrapassou a Mediaset e tornou-se o grupo mais visto com 27% de share:
O tempo médio diário de televisão no primeiro semestre foi de 3 horas e 8 minutos por pessoa, menos 14 minutos do que no mesmo período do ano passado.
Há gente, sobretudo idosos, que tem a televisão ligada o dia inteiro e devem contribuir para esta estatística.
3.2. Receitas do segmento de produção e distribuição de conteúdos aumentaram
Comparando as receitas do primeiro semestre deste ano com as do primeiro semestre de 2022, as receitas provenientes de publicidade diminuíram ligeiramente (0,9%), mas a produção e distribuição de conteúdos mais do que compensou essa diminuição.
O crescimento de 48% das receitas de produção e distribuição de conteúdos deve-se sobretudo a 4 filmes produzidos pela Atresmedia que foram responsáveis por 34% de toda a bilheteira vendida em Espanha no primeiro semestre.
3.3. Balanço equilibrado
A evolução da dívida líquida tem sido a seguinte:
A 30 de Junho de 2023 a Atresmedia tinha 47 M€ de dívida líquida, que corresponde a um net debt to EBITDAttm de 0,3 vezes. O ativo corrente supera o total do passivo e o balanço é bastante saudável.
3.4. Dividend yield e bottom line
Desde 2005 que a Atresmedia paga dividendos, com exceção de 2013 e 2020.
Em dezembro pagaram um dividendo de 0,18 € por ação e em junho deste ano pagaram mais 0,22 € por ação referentes aos resultados de 2022. À cotação de 3,8 € o dividend yield está nos 10,5% e este é um valor elevado face à média histórica.
O payout ratio está acima dos 80% e o payout ratio médio dos últimos 10 anos foi de 92% (parece um REIT), portanto eu diria que a Atresmedia pode ser vista como uma dividend play.
A Atresmedia tem-se mantido sempre lucrativa…
…embora as suas margens oscilem imenso:
Considerando o 1H2023, o resultado líquido foi de 59 M€ e se anualizarmos esse valor obtemos um PER23 de 7. A margem líquida foi de 12,6%, o que é bastante apreciável.
4. Pontos Negativos
4.1. Vendas estagnadas e principal segmento em decrescimento
Quando se tem já uma considerável quota de mercado numa indústria madura é difícil crescer sem ser por via de aquisições.
As receitas anuais estão estagnadas um pouco abaixo dos 1000 M€ por ano:
As vendas em 2022 foram de 951 M€, tendo diminuído 1,3% face a 2021, enquanto que a publicidade na televisão diminuiu 4,6%, o que significa que a Atresmedia ganhou alguma quota de mercado:
O problema é que o segmento de televisão está a perder relevância, enquanto que o segmento de rádio, digital e cinema estão em crescimento.
No 1S23 as receitas da Atresmedia aumentaram 2,4% face ao 1S22 mas como podemos ver no ponto 3.2. isso foi graças à produção e distribuição de conteúdos. Além disso, as despesas operacionais cresceram ainda mais, levando a uma diminuição da margem EBITDA.
As receitas do segmento de rádio têm vindo a crescer mas ainda são pouco relevantes no contexto da Atresmedia.
4.2. NAR – Net Advertising Revenue – a diminuir
O Net Advertising Revenue está em queda:
O Net Advertising Revenue é a receita líquida gerada pela publicidade e esta tem vindo a diminuir.
Se o número de pessoas que consome televisão é cada vez menor, então os anúncios são vistos por menos pessoas e consequentemente as receitas publicitárias são menores.
Vejamos um exemplo: no segundo trimestre deste ano, para obter um NAR 0,7% superior ao período homólogo, foi necessário que os preços aumentassem 15%, uma vez que o volume (impressões) diminuiu 12%.
4.3. O GRP – Gross Rating Point – está a diminuir
Outra sigla importante para entender o que está por trás dos números.
O Gross Rating Point (GRP) é o termo usado em publicidade para medir a eficácia de uma campanha publicitária em termos de alcance e frequência em relação ao público-alvo. Pode ser obtido multiplicando o número de impressões pela taxa de audiência.
Porque é que isto é relevante? Porque o GRP está a diminuir e os preços dos anúncios estão a subir.
Podemos ver na imagem abaixo à direita que a principal razão para a descida deste indicador é o facto de haver cada vez menos gente a consumir televisão:
Ou seja, publicitar na televisão é cada vez mais caro e para um público-alvo cada vez menor e mais restrito.
Não deve ser por acaso que na nossa televisão abundam os anúncios de televendas que são direcionados especificamente para o público mais idoso, com o objetivo de os fazer ligar a comprar o produto agora, não mais tarde.
5. Perspetivas
As estimativas dos analistas são as seguintes:
Espera-se uma taxa média anual de crescimento das receitas de 0,8% até 2027.
É provável que a economia espanhola cresça mais do que isto.
Numa perspectiva mais micro podemos afirmar que as estimativas apontam para que a situação atual se mantenha praticamente inalterada.
Numa perspetiva macro e considerando outras alternativas de investimento, a Atresmedia tenderá a perder relevância já que o mercado onde atua está em decrescimento. Obter fatias maiores de um bolo cada vez mais pequeno não é uma perspetiva positiva.
6. Conclusão
A Atresmedia é líder de audiências em Espanha mas a sua principal fonte de receitas é a publicidade na televisão e, com o consumo de televisão a diminuir, tem um enorme desafio pela frente. Aliás, os múltiplos têm estado abaixo da média histórica, provavelmente porque não se espera grande coisa do futuro.
As vendas estão estagnadas nos mesmos níveis há 18 anos e recentemente foi o segmento de produção e distribuição de conteúdos que compensou a diminuição das receitas de publicidade.
No entanto, tem um balanço sólido e uma boa capacidade de pagar dividendos. Dadas as estimativas dos analistas que apontam para que nos próximos anos tudo se mantenha mais ou menos na mesma, também os dividendos deverão manter-se generosos.
A Atresmedia está numa indústria que tenderá a “encolher” em termos de market size mas que tem uma posição relevante no seu mercado e deverá conseguir sobreviver para continuar a pagar dividendos aos seus acionistas.
Comentário do César
Antes de mais quero agradecer ao Paiva por ter explicado tão bem a situação fundamental da Atresmedia.
Tenho estado a ler um livro do Peter Lynch, o Learn to Earn, que tem uma parte sobre a história de algumas empresas cotadas.
Nota-se que o Peter tem um certo fascínio por empresas bastante antigas, tipo, com mais de 200 anos e ele descreve a evolução de algumas delas, mostrando que foram mudando o seu foco e ramo de atuação de forma a sobreviverem e continuarem a criar valor para os acionistas.
Neste sentido aquele aumento de 48% das receitas do segmento de criação de conteúdos da Atresmedia é bastante interessante, pois pode ser esse o catalisador que está a começar a atrair os investidores. Agora é preciso ver se o desenvolvimento desse segmento é uma nova tendência estrutural ou apenas uma situação conjuntural.
Só sei que a Catarina, se deixada sozinha, prefere ver filmes espanhóis, franceses e italianos do que americanos.
Voltando à Atresmedia está visto que, com um balanço saudável, um dividend yield acima de 10% e um PER de 7, as condições fundamentais de base são atrativas.
À partida vejo boas condições para a Atresmedia continuar a valorizar no curto prazo, ainda que mais a longo prazo esteja como o Paiva, com receio que as receitas da publicidade na televisão continuem a minguar de uma forma que será muito difícil a Atresmedia como um todo não encolher. Mas isso é mais a longo prazo.
No curto/médio prazo o mais provável é que as receitas de publicidade aumentem, com a recuperação económica que se antevê para os próximos anos.