Caro Investidor em Ações,
Tenho estado a afinar o timing para partilhar consigo este texto e como ontem o índice S&P 500 desceu 3,56%…
…penso que os níveis de stress e preocupação da generalidade dos investidores estão elevados, pelo que é um bom momento para avançar.
Não no sentido de estarmos no mínimo dos mercados acionistas – nunca acertei no mínimo de nada, é pouco provável que vá acertar agora – mas no sentido de procurar ajudar quem está apreensivo com os seus investimentos em ações.
A primeira grande questão que se coloca atualmente é se estamos num mercado com tendência generalizada de descida (um bear market, ou mercado do urso), ou não?
A definição mais objetiva de bear market é a seguinte: “uma descida desde o máximo recente superior a 20%”.
Vejamos então os gráficos de dois dos índices mais representativos dos mercados acionistas dos dois lados do Atlântico, o S&P 500 e o Euro Stoxx 600:
Desde o máximo até ao mínimo, o S&P 500 desceu 15,7% e o Euro Stoxx 600 desceu 18,1%.
Portanto, segundo a definição mais objetiva de bear market, pelo menos por enquanto, não estamos num bear market. A situação atual deverá ser descrita como uma forte correção.
Neste momento o S&P 500 desce 13,9% face ao máximo e o Euro Stoxx 600 desce 12,5%.
Claro que se formos para outros índices, nomeadamente os de small caps, como por exemplo o Russell 2000, ou para índices setoriais ou de estilo, por exemplo growth, aí já há vários índices com quedas superiores a 20% desde o máximo.
Mas no S&P 500 e no Euro Stoxx 600, que são os mais representativos da capitalização bolsista do mercado como um todo, pelo menos por enquanto, não se deve caracterizar a situação como um bear market.
Há outra situação relevante que importa mencionar, que é o câmbio entre o EUR e o USD:
Desde o início do ano o EUR desvalorizou 7,3%, o que é o mesmo que dizer que o USD valorizou 7,9%.
(Confuso por não ser a mesma variação? Então afinal o que um desce não é o que o outro sobe? Não exatamente… se algo está a 100 e desce 7,3%, vai para 92,7 e se algo que está a 92,7 sobe para 100, sobe 7,9%)
Se corrigirmos as variações dos índices pela variação na taxa de câmbio desde o início do ano, o S&P 500, para os investidores europeus, está a descer somente 7,1%, enquanto que o Euro Stoxx 600, para os investidores norte-americanos, está a descer 18,9%.
A segunda grande questão que se coloca é se os mercados acionistas vão descer muito mais, ou pelo contrário, vão recuperar?
Esta é que parece ser a questão relevantíssima, a mais importante de todas… só que não é, por dois motivos muito simples:
A – Ninguém sabe
B – É indiferente
Ora, que ninguém sabe, toda a gente sabe (!), mas que é indiferente?? Como é que pode ser indiferente, se é o que preocupa toda a gente?
Eu estou há 26 anos e uns pozinhos nos mercados e vou falar um pouco da minha experiência pessoal. Não que não tenha lido os livros e tirado os cursos – fiz isso tudo – mas é à experiência que atribuo mais valor e que mais me poderá ajudar a navegar as águas turbulentas dos mercados financeiros.
Não me quero alongar demasiado – sei que o seu tempo e paciência têm limites – pelo que vou descrever apenas três episódios:
1º – No bear market de 2000 – 2003, era um jovem de vinte e tal anos com mentalidade de curto prazo. Queria ganhar todas as semanas, ou pelo menos todos os meses, para gerar “rendimento” com o qual iria suportar o meu lifestyle e, já em 2002, a minha família, que estava a começar… como os mercados estavam em queda, abandonei (quase) completamente as ações e dediquei-me ao trading de curto prazo nos futuros, que são produtos financeiros derivados que permitem alavancar e ganhar também com as quedas.
Apesar do stress elevado – lembro-me especificamente de uma ocasião em que fui à casa de banho, larguei o monitor durante 5 minutos e quando voltei tinha perdido uns 7 mil euros, porque o Saddam Hussein tinha dito qualquer coisa – as coisas iam indo razoavelmente e no dia em que o meu 1º filho nasceu, a minha conta de futuros estava no seu máximo histórico, na altura 80 mil euros.
Só que depois fomos para casa dos meus sogros, nem sequer levei o computador, estava aborrecido em frente à televisão, a ver a CNBC e a 5 minutos do fecho da Eurex, liguei para a corretora a vender 1 contrato do DAX. Na manhã seguinte o mercado abriu a subir uns 4%, eu não sabia bem o que estava a acontecer e vendi mais 1 contrato… o mercado continuou a subir, à tarde vendi outro contrato e no dia seguinte, quando houve outro gap up, começaram a ligar da corretora com margin calls, eu não tinha reservas, tive de fechar a posição curta (fazendo buy to cover) e fiquei com uma pequena fração do que tinha antes, quase nada. Em três dias, perdi praticamente tudo e tinha um filho por criar (agora tenho quatro!).
O ano seguinte foi muito difícil.
Mas repararam que escrevi “quase”? Quase que tinha abandonado as ações? Pois é, tinha deixado umas ações numa conta da E-Trade. Lembro-me que as comprei no final de 2001 por volta de $1 e logo de seguida, muito rapidamente, elas caíram mais de 50%, para menos de $0,5… fiquei tão triste que nunca mais quis olhar para aquilo. Com o trauma nos futuros nunca mais me lembrei que tinha aquelas ações…
Até que, já em 2004, começaram a chegar cartas (mesmo em papel) da E-Trade, que eu nunca abria… até que a minha mulher, Catarina Borja, abriu uma dessas cartas e ficou espantada com o valor que lá tínhamos… toda entusiasmada veio mostrar-me a carta e quando olhei para aquilo… as ações que tinha comprado a $1 e que tinham caído para menos de $0,5 estavam a $40 !!!
Ainda demorei uns dias para recuperar a password da conta e acabei por vendê-las a $36. Não era nenhuma fortuna, porque eu tinha investido pouco, mas ajudou-me a levantar a cabeça e regressar aos investimentos nos mercados.
2º – No bear market de 2007 – 2009, ali no início de 2009, publiquei um artigo chamado “Pequenos luxos do consumidor”, que essencialmente dava corpo “teórico” a uma série de recomendações de ações que fiz no site que tinha na altura, o BorjaInvest. Por motivos aos quais sou alheio o site foi encerrado em meados de 2010 e eu acabei por derivar novamente para os futuros, mercado que nunca abandonei verdadeiramente, até 2015, quando estive 5 dias e 5 noites consecutivas agarrado ao écran sem dormir e quase sem comer.
Nessa campanha nos futuros, no cômputo geral, porque tinha uma estratégia de controlo do risco bastante rigorosa e sólida – para evitar episódios como o de 2003 – não perdi, até ganhei, mas à custa dos bens mais preciosos de todos: a saúde e a qualidade de vida.
Desde 2015 que abandonei definitivamente os futuros e o trading de curto prazo, estando dedicado exclusivamente aos investimentos em ações, com uma mentalidade de longo prazo, baseado na Análise Fundamental.
Algumas daquelas recomendações após o “Pequenos luxos do consumidor” foram perdedoras – em especial algumas ações chinesas que eram fraudes completas – mas outras foram enormes multibaggers… um dos Subscritores, que depois passou a ser um amigo pessoal, manteve várias dessas ações ao longo dos anos e por exemplo a Tucows subiu mais de 80 bags…
…de cerca de $1 para $90!
Nos futuros tive imenso trabalho, a comprar e a vender e a tentar adivinhar se o mercado ia subir ou descer nos próximos dias, nas próximas horas! Podia ganhar tanto com as subidas como com as descidas e isso sempre me pareceu uma espécie de declaração de independência face à evolução do mercado em geral, do género, “faças o que fizeres, eu vou ganhar!” O problema é que não é possível prever as oscilações de curto prazo do mercado e todos os métodos de análise nesses time frames – e eu experimentei-os todos – carecem de racionalidade económica e por isso, acabam por não funcionar no longo prazo.
Tive um trabalhão e um stress medonhos e o meu amigo que seguiu aquelas recomendações, o que é que fez? Nada, limitou-se a manter tranquilamente as ações e ganhou muito mais! Ele é mais novo do que eu, mas adquiriu mais cedo a mentalidade de longo prazo. Deve ter sido uma questão de educação.
Tenho vindo a descobrir que o sucesso a longo prazo não é construído através de muitos pequenos sucessos de curto prazo. Pelo contrário, no curto prazo é necessário investir, sacrificar-se, retroceder, aguentar, etc, para alcançar o sucesso a longo prazo, sendo que a felicidade está no percurso, não no objetivo.
3º – Quando veio o bear market relacionado com o novo coronavírus e as respetivas restrições, caramba, já era demais, não ia cometer o mesmo erro dos bear markets anteriores… aguentei-me com as ações quase todas (mas depois de uma já grande recuperação no mercado em geral para novos máximos históricos, vendi bastantes ações – tendo comprado outras – e em alguns casos arrependi-me, porque eram fundamentalmente atrativas e subiram muito a seguir) e a performance foi bastante satisfatória.
Tinha por exemplo a Fiverr, comprada a $30 e pouco, ela ainda veio abaixo de $20, aguentei e depois vendi-a pelos $150… ela ainda foi aos $336:
Ali no gráfico diz “report aqui”, a assinalar o dia 24 de janeiro de 2020, quando enviei um relatório especial a explicar porque é que a Fiverr iria subiu mais de 1.000% (e subiu!). Enviei-o para toda a gente que está na mailing list gratuita do Borja on Stocks… se ainda não está na nossa mailing list gratuita, pode juntar-se aqui.
Conclusão
Quando estamos numa forte correção, ou num bear market (é indiferente), temos dois caminhos:
A – Vender as ações todas, para:
- Aventurarmo-nos em produtos financeiros derivados, que também permitem ganhar (e perder) com as quedas;
- Tentar comprar mais tarde, de preferência a um preço mais baixo, o que pressupõe que sabemos o que vai acontecer a seguir, não só ao mercado em geral, mas a cada ação específica que temos em carteira;
- Comprar obrigações e perder 5% ao ano em termos reais;
- Colocar tudo em depósitos bancários e perder 7% ou 8% em termos reais, ou, na melhor das hipóteses, se a inflação voltar a descer (pessoalmente acho que sim, que vai voltar a descer, porque os motivos pelos quais subiu – restrições pandémicas e a guerra na Ucrânia – são temporários), perder só uns 3% ao ano em termos reais.
B – Manter as ações praticamente todas, para:
- Beneficiar quando os mercados recuperarem e eventualmente atingirem novos máximos históricos, como aliás aconteceu sempre na história dos mercados acionistas;
- Beneficiar no caso de algumas ações fundamentalmente atrativas que temos em carteira virem a ser multibaggers, daquelas que sobem muitíssimo e mais do que compensam largamente as que descem;
- Evitar incursões desastrosas em produtos financeiros derivados que, inevitavelmente, causam perdas avultadas, especialmente aos principiantes, ou seja, aqueles que têm menos de 10 anos de experiência;
- Manter a racionalidade económica: as ações foram escolhidas pelos seus motivos intrínsecos, têm balanços saudáveis, negócios promissores, pelo que vendê-las por causa de uma guerra lá longe na Ucrânia, ou por causa da inflação (as empresas de qualidade conseguem passar o aumento de custos para os seus clientes), ou por causa da subida de taxas de juro quando muitas empresas selecionadas têm mais cash que dívida financeira… seria totalmente irracional.
Eu sei que vou pelo caminho B e, aconteça o que acontecer, não me vou arrepender, porque é o caminho que quero percorrer no que resta da minha vida: investir em ações de forma economicamente racional, com uma mentalidade de longo prazo.
E se o mercado descer, melhor, mais oportunidades surgirão, seja para reforçar nas ações que já tenho, seja para investir em novas ações. No longo prazo tudo correrá bem a quem se mantém no caminho certo.
É mais fácil dizer do que fazer e, como diz o Peter Lynch, o órgão mais importante dos investidores não é o cérebro, é o estômago, para aguentar bem a volatilidade e o risco das ações.
Desejo-lhe bons investimentos, obrigado!
César Borja
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